EMANUELLE ARAÚJO CORREIRA[1]
RESUMO: Através de pesquisa bibliográfica integrativa e estudo de casos o presente artigo se propõe a fazer uma análise a respeito do direito ao esquecimento, que se revela como um benefício para aqueles que já cometeram atos criminosos, mas já cumpriram a sua pena, e desejam ser esquecidos em virtude da passagem de tempo. Além disso, visa proteger qualquer pessoa que já esteve envolvida em situações trágicas ou que lhe causaram constrangimento e desejam não terem seus nomes vinculados a tais acontecimentos. A fundamentação do presente artigo se baseia nos princípios da dignidade da pessoa humana e nos direitos da personalidade à imagem, honra, vida privada e intimidade. O ponto central é mostrar que enquanto o passado não pode ser reescrito ou apagado, é possível regular o uso que se faz de histórias de crimes pretéritos e monitorar como e com que finalidade esses fatos são lembrados para evitar o infeliz uso excessivo da vida privada por meio da informação, explorando de forma indevida as desgraças da vida privada, muitas vezes, apenas com o propósito de satisfazer a curiosidade alheia. O direito ao esquecimento também aparece como um importante aliado na promoção da ressocialização de ex-detentos, pois esse direito auxilia a reintegração da pessoa na sociedade. A questão principal é a forma de resolver o conflito de direitos fundamentais envolvidos, uma vez que, de um lado se encontra os princípios da dignidade e do direito à personalidade, e de outro os direitos constitucionais e democráticos à liberdade de expressão e informação. Para esclarecer o conflito, algumas doutrinas e jurisprudências propõem técnicas de ponderação, para que possa ajudar a alcançar uma solução justa, dependendo de cada caso concreto.
Palavras-chave: direito ao esquecimento; dignidade da pessoa humana; direito à informação e liberdade de expressão.
ABSTRACT: Through bibliographical research and case studies, this article aims to analyze the right to be forgotten, which reveals itself as a benefit for those who have already committed criminal acts, but have already served their sentence, and wish to be forgotten due to the passage of time. In addition, it aims to protect anyone who has been involved in tragic situations or situations that have caused them embarrassment and wishes not to have their names linked to such events. The rationale of this article is based on the principles of human dignity and the personality rights to image, honor, privacy and intimacy. The central point is to show that while the past cannot be rewritten or erased, it is possible to regulate the use that is made of stories of past crimes and to monitor how and for what purpose these facts are remembered in order to avoid the unfortunate overuse of private life through information, unduly exploiting the misfortunes of private life, often with the sole purpose of satisfying the curiosity of others. The right to forget also appears as an important ally in promoting the resocialization of former inmates, because this right assists the reintegration of the person into society. The main question is how to solve the conflict of fundamental rights involved, since on one side there are the principles of dignity and the right to personality, and on the other the constitutional and democratic rights to freedom of expression and information. To clarify the conflict, some doctrines and jurisprudence propose weighting techniques to help reach a fair solution, depending on each concrete case.
Keywords: right to forgetfulness; human dignity; right to information and freedom of expression.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2 ASPECTOS GERAIS DO DIREITO AO ESQUECIMENTO. 2.1 FACILIDADES DE DISSEMINAÇÃO DE INFORMAÇÕES E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO. 2.2 PONDERAÇÃO ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITO À PRIVACIDADE. 2.3 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO. 3 DO DIREITO AO ESQUECIMENTO. 3.1 DIREITO AO ESQUECIMENTO NO ÂMBITO PENAL. 3.2 NOMENCLATURA “DIREITO AO ESQUECIMENTO”. 4 CASO AÍDA CURI. 4.1 ENTENDIMENTO DO STF QUANTO O DIREITO AO ESQUECIMENTO. 4.2 CONTROVÉRSIAS NA DECISÃO DO STF. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.
O presente artigo tem como tema e objetivo a pesquisa sobre o direito ao esquecimento em situações de exposição exagerada da vida privada e análise sob o aspecto da liberdade de expressão, em conflito com a pessoa que é titular do direito à imagem e privacidade infringidos em casos de exposição mediática.
Diante disso, esse trabalho examinará a respeito aplicabilidade da Constituição Federal que apresenta a não violação dos direitos fundamentais, como o direito à dignidade da pessoa humana, que não podem ser contrariados, os quais são: o direito à vida privada, à imagem, à honra, à intimidade garantindo assim o direito a indenização caso sejam violados. O direito fundamental, prioriza a qualidade e bem-estar dos cidadãos perante a sociedade, podendo então, nesta circunstância, quem teve o seu direito violado pedir indenização, pois, está garantido na constituição
Além disso, o direito ao esquecimento também tem a sua aplicabilidade no que diz respeito a condenações criminais devidamente cumpridas, ou seja, ao direito que uma pessoa tem de não ver esmiuçados fatos que fazem parte do seu passado, os quais, não tem necessidade de ser relembrados apenas pela audiência ou para fazer sensacionalismo. O principal objetivo deste direito é proteger a privacidade daqueles que já pagaram a pena por crimes cometidos no passado, levando em consideração que o ex-condenado possui o direito de continuar no anonimato, mesmo tendo participado de fatos que no passado foram relevantes socialmente.
O que se discute, na realidade, é que o direito ao esquecimento contrasta com outros direitos fundamentais, também garantidos pela Constituição. O direito à liberdade de expressão e informação, previsto também no artigo 5º, inciso XIV, e no artigo 220, determinam que a manifestação de expressão ou informação não podem ser restringidas. Além disso, este direito é parte essencial das características de uma sociedade democrática de direito, onde uma tentativa de limitação pode ser considerado como censura.
Será examinado como o direito ao esquecimento está sendo julgado no país, através de casos concretos jurisprudenciais, além de salientar a grande importância que este direito tem para aqueles que desejam ter o seu passado esquecido, abordando casos concretos de publicações da mídia de situações acontecidas no passado que causaram diversos transtornos psicológicos aos envolvidos.
O tema é muito atual, polêmico e ainda necessita de posições doutrinárias e jurisprudenciais, tendo em vista que existem poucos casos julgados sobre o assunto em questão. Por isso, o trabalho será feito, sobretudo, a partir de pesquisa bibliográfica integrativa sobre o tema, além de doutrinas que trazem uma compreensão maior dos direitos e garantias fundamentais envolvidos.
2.ASPECTOS GERAIS DO DIREITO AO ESQUECIMENTO
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948, vem como um “norte” para a legislação daqueles países que fazem parte da ONU- Organização das Nações Unidas, sendo o Brasil um dos países integrantes desta organização.
No artigo de número 12° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é resguardado o direito à vida privada, honra e reputação (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948), e, neste mesmo viés caminha a nossa CF - Constituição Federal brasileira de 1988 “Artigo 5º, X, - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988). Esses direitos asseguram a dignidade da pessoa humana, garantindo uma vida digna a todos sem distinção.
E é firmado nestes conceitos constitucionais que se enraíza o direito ao esquecimento que já era um tema de bastante debate, todavia, as discussões se aguçaram após o posicionamento do STF- Supremo Tribunal Federal a respeito desta matéria, como veremos mais adiante.
De início, é de grande importância avaliar como a globalização, o avanço da Internet e, por consequência, o crescimento das redes sociais, tem influenciado no exercício do direito do esquecimento, tendo em vista que, com a facilidade na propagação de informações hoje em dia, muitas vezes, tais informações estão associadas ao mau uso da liberdade de expressão, especialmente no mundo virtual.
2.1 Facilidades de disseminação de informações e a liberdade de expressão
Com a globalização, o acesso à internet foi facilitado, chegando a ser motivo de estranheza alguém não ter acesso a este dispositivo. Segundo o censo do IBGE (2021) - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a Internet chegou a 90,0% dos domicílios brasileiros no ano de 2021, com alta de 6 pontos percentuais frente a 2019, quando 84,0% dos domicílios tinham acesso à grande rede.
Visto isso, o acesso à informação se tornou algo muito acessível à grande maioria da população, considerando os diversos meios de comunicação informativos existentes, como os jornais televisivos, jornais impressos, blogs, sites, rádios e até mesmo redes sociais sendo utilizadas para proliferar informações em massa.
Tendo em vista que esses canais de comunicação não tem cunho investigativo para repassar informações devidamente checadas e comprovadamente verdadeiras, acabam por serem repassadas várias notícias de caráter duvidoso, as quais se espalham com uma grande rapidez, uma vez que, o compartilhamento de notícias verídicas ou não foi facilitado por meio da internet, cabendo o leitor selecionar fontes confiáveis para manter-se informado com informações verídicas.
Consoante a isto, a Carta Magna brasileira, Constituição Federal de 1988, assegura em seu artigo 220 que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” (BRASIL, 1988), garantindo assim, a célebre liberdade de expressão, o que assegura a qualquer indivíduo que se expresse ou informe algo, sem sofrer qualquer tipo de sanção, desde que observe os demais dispositivos constitucionais.
Thomas Hobbes conceitua:
Por liberdade entende-se, conforme a significação própria da palavra, a ausência de impedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas não podem obstar a que use o poder que lhe resta, conforme o que seu julgamento e razão lhe ditarem (HOBBES, 1983, pag.78).
Sendo assim, vive-se atualmente em uma sociedade livre de censura, onde a liberdade prevalece, desde que a lei não diga o contrário. No entanto, hoje se popularizou o termo “digital influencer”, o qual se trata de um profissional ainda não regulamentado no Brasil que se utiliza das redes sociais para produzir conteúdo e influenciar um determinado grupo de pessoas por meio do seu comportamento e exposição de suas ideias.
Muitos destes influencers expõem abertamente seu dia a dia, apresentando suas ideias a respeito de vários assuntos. o que gera interesse de marcas em utilizar a fala destes influenciadores para divulgarem seus produtos, para obter maior alcance de mercado, o que ressalta a eficiência destes “profissionais” em influenciar pessoas através daquilo que é divulgado por meio da internet. Para Safko e Brake (2010) "influência é o alicerce sobre o qual todas as relações economicamente viáveis são construídas".
A mídia no geral tem um grande poder persuasivo, tendo em vista que, muitas pessoas não têm o costume de checar as informações publicadas, assim, os jornais e noticiários, podem se valer de notícias sensacionalistas para manipular pessoas a pensarem de determinada forma, e isso é possível mesmo publicando somente fatos verídicos, ao enfocar o ponto que é favorável ao noticiador.
Sendo assim, é necessário verificar qual o limite existente entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade, para que o exercício de um não venha a prejudicar o cumprimento do outro.
2.2 Ponderação entre liberdade de imprensa e direito à privacidade
Há uma grade discussão doutrinária a respeito do como resolver conflitos de interesse entre direitos fundamentais, como é o caso do tema estudado neste artigo, onde encontra-se de um lado a liberdade de impressa com plenos direitos para noticiar fatos sem qualquer tipo de restrição, conforme assegura o caput do artigo 2020 da constituição brasileira de 1988, enquanto de outro lado se encontra outro direito fundamental, o direito à privacidade, também garantido por nossa carta magna em seu artigo 5º, X.
Falando a respeito da liberdade de impressa o estudioso Evandro Andaku diz:
A liberdade para o exercício da atividade de imprensa é o princípio e o direito mais defendido e invocado pelos veículos de comunicação social em suas demandas judiciais e não é sem razão, já que sem a liberdade nem toda notícia é veiculada e nem toda manifestação é possível, prejudicando a própria noção de imprensa e que presta relevante serviço público de informar a sociedade e de garantir aos cidadãos o direito de acesso à informação. (ANDAKU, 2021 p. 32)
A função social da liberdade de impressa é de grande importância para a sociedade como um todo, tendo como intuito manter a população a par dos assuntos sociais, e não restringindo o saber somente aqueles que detêm o poder, visto que proporciona ao povo a oportunidade de formar sua própria opinião diante dos fatos. Todavia, essa autonomia de publicação de notícias possui regulamentação que restringe a atuação dos jornalistas, visando evitar eventuais danos, conforme dispõe os artigos do Código de Ética dos jornalistas FENAJ -Federação Nacional dos Jornalistas:
Art. 4º O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação.
[...]
Art. 7º O jornalista não pode: [...] II - submeter-se a diretrizes contrárias à precisa apuração dos acontecimentos e à correta divulgação da informação; Art. 12. O jornalista deve:
[...]
VI - promover a retificação das informações que se revelem falsas ou inexatas e defender o direito de resposta às pessoas ou organizações envolvidas ou mencionadas em matérias de sua autoria ou por cuja publicação foi o responsável;
(2007, p. 1-2)
No entanto, o código de ética destes profissionais não foi e não está sendo suficiente para evitar todos os conflitos quanto à exposição de informações, sobretudo sem a devida autorização de quem é noticiado.
Recentemente, um caso ficou muito conhecido na mídia, quando vários canais informativos noticiaram que a atriz Klara Castanho de 21 anos de idade, mesmo com sua confortável situação financeira, gerou uma criança e a entregou para doação. Após a grande repercussão do caso e por pressão da imprensa a atriz se pronunciou por meio de uma carta aberta em suas redes sociais explicando o caso; segundo Klara Castanho, ela havia sido vítima de estupro e em decorrência desta violência ficou grávida, porém, a atriz tomou ciência da gestação poucos dias antes do parto e, mesmo tendo o direito ao aborto, preferiu gerar a criança e entregar para adoção, entretanto, todo o caso era para ser sigiloso, “pensei que levaria essa dor somente comigo” relata Klara, após todas essas informações terem sido vazadas pela imprensa contra sua vontade. (GAUCHAZH, 2022, on-line)
O caso mencionado acima relata claramente a violação do direito à privacidade, intimidade e honra, o que gerou diversos constrangimentos a pessoa que estava sendo noticiada, tudo isso justificado pelo livre direito de imprensa.
O direito à privacidade além de ter raiz constitucional está expressamente previsto no artigo 21 do Código Civil: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
Quando há um conflito aparente de normas isso é chamado de antinomia, que segundo o conceito do doutrinador Flávio Tartuce se trata “da presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto” (TARTUCE, 2016, pag. 52).
Noberto Bobbio (1992), “solucionou” essa questão na sua Teoria do ordenamento jurídico usando os seguintes critérios:
1- Cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior;
2- Hierárquico: é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior;
3- Especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral.
Todavia, no caso concreto, não é possível solucionar a situação em questão, tendo em vista que, ambas as normas têm luz constitucional de igual força, restando apenas utilizar entre conflitos de normas constitucionais, a ponderação, não podendo um princípio sobrepor ao outro, fazendo valer a melhor aplicação no caso concreto sem que desrespeite outros dispositivos constitucionais.
No entanto, para entender melhor como o direito ao esquecimento tem sido exercido desde a sua criação, é importante conhecer melhor a respeito do seu surgimento e como ocorreu o seu avanço no decorrer do tempo.
Após a segunda guerra mundial, em 10 de dezembro de 1948, visando pacificar alguns conflitos e estabelecer direitos, foi criada pela ONU- Organização das Nações Unidas, a qual hoje conta com 193 países membros, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecendo direitos individuais para servir como base para confecção de leis e tratados internacionais.
Assim, todos os países membros se comprometeram a promover o respeito a esses direitos, e o Brasil, como membro, instituiu a Constituição Federal respeitando todos os direitos em forma de princípios constitucionais, além disso, todos os outros códigos brasileiros que têm força de lei seguem a mesma vertente, e, como já dito anteriormente, o chamado direito ao esquecimento promove sua existência com base nos direitos individuais.
O direito ao esquecimento no Brasil, como vários outros institutos, é o reflexo do cenário jurídico em outros países. Segundo Moraes (2016) esse instituto teve surgimento na Alemanha com o caso “Lebach” (caso BVerfGE 35, 202), com uma reclamação constitucional , onde o reclamante havia sido condenado como partícipe em um crime de latrocínio e os autores foram condenados à prisão perpétua, todavia o reclamante foi condenado a seis anos de reclusão.
Visando noticiar o crime que havia sido de grande repercussão social, um programa de televisão produziu um documentário a respeito do caso, no qual apareciam nome e fotos do reclamante, o qual inconformado, entrou com uma liminar judicial solicitando o impedimento da exibição do documentário, tendo o seu o pedido negado. No entanto, a reclamação constitucional teve provimento pelo Tribunal Constitucional Alemão no dia 5 de junho de 1973, que revogou a negativa do pedido liminar até finalizar o processo.
A procedência da reclamação foi justificada pelo Tribunal Constitucional, entre outros argumentos, devido ao decurso do tempo, uma vez que já fazia quase seis anos do ocorrido e o fato não era de relevância social naquele momento devido à desatualização das informações, prevalecendo o direito de ressocialização do indivíduo.
A partir de então, vários outros países tiveram judicialmente casos envolvendo direta ou indiretamente o direito ao esquecimento, e como exemplos vale citar o caso “Google Spain SL e Google Inc.” ocorrido na União europeia em 1998, e o caso “Lawrence v. Texas” ocorrido nos Estados Unidos em 2003, entre outros casos emblemáticos que serviram e servem ainda hoje como orientação para julgamentos.
Diante de todo esse movimento no exterior, o direito ao esquecimento chegou ao Brasil, e, um dos casos que ganhou grande repercussão no país foi o da apresentadora Maria da Graça Xuxa Meneghel, a qual participou de um filme lançado em 1982 onde atuou em cenas de sexo com um menino de 12 anos de idade. A partir disso, o seu nome é vinculado em pesquisas na internet com palavras como “pedofilia”, mas a situação se agravou, pois, logo depois do lançamento do filme, Xuxa virou apresentadora de programa televisivo infantil.
Diante do argumento de constrangimento e de que esses fatos de sua vida não condiziam mais com sua vida atual, a apresentadora judicializou uma ação requerendo a não vinculação de pesquisas com seu nome a pedofilia ou algo relacionado a isso. Porém, em decisão unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi julgado improcedente o pedido, reforçando a falta de normatização do instituto no Brasil.
Diante disso, como o direito ao esquecimento pode ser exercido de forma que possa garantir a defesa à dignidade humana sem entrar em conflito com direitos já existentes? É essencial uma análise melhor do objetivo por trás da lei do esquecimento e como ele pode atender as novas exigências legais que foram surgindo com a evolução da sociedade.
Com a evolução da humanidade novos conflitos vão surgindo e, consequentemente, nosso ordenamento jurídico tem que se adequar para atender essas evoluções. Um exemplo claro é o grande avanço tecnológico que surgiu nos últimos anos e que causa sérios conflitos a respeito da responsabilização da guarda e manejo dos dados “soltos” em rede.
O direito ao esquecimento não pode serestudado como uma norma isolada e completamente inovadora, e sim como uma ramificação dos direitos e princípios já existentes, sobretudo, adaptada para atender as novas demandas jurídicas que surgiram, tendo em vista que um ordenamento jurídico que não se adequa as evoluções sociais está fadado ao retrocesso.
O direito ao esquecimento nasce a partir de extensões de entendimentos de princípios constitucionais, e consiste em “esquecer” fatos verídicos do passado que cause sofrimento a alguém por lesionar o direito à privacidade e honra.
Este direito defende a dignidade da pessoa humana, a fim de garantir que fatos pretéritos não venham a interferir na vida de qualquer pessoa de forma desnecessária, no entanto, para entender quando se pode esquecer ou não algum fato verídico é necessário compreender a relevância da divulgação deste fato à sociedade.
Um exemplo emblemático a respeito de quando não se poderia aplicar o direito ao esquecimento seria a respeito do governo comandado por Adolf Hitler na Alemanha, marcado por uma ditadura extrema, mortes, racismo, extermínio de raça entre outras atrocidades cometidas neste período. Percebe-se que, por mais que a divulgação desses fatos pudesse causar constrangimento aos participantes daquele governo ou a seus descendentes, é imprescindível a divulgação histórica uma vez que a não divulgação traria um grande empobrecimento histórico.
Em contrapartida, uma vítima de estupro, por exemplo, pode requerer o direito ao esquecimento sem prejuízo histórico, uma vez que, o seu nome está ligado ou não ao crime, não resultará em um empobrecimento cultural, todavia, a divulgação de notícias ligando o nome desta pessoa ao fato pode lhe trazer sofrimento, adentrando em sua intimidade e privacidade de forma desnecessária.
O primeiro caso de direito ao esquecimento na internet que chegou aos tribunais superiores foi um agravo interno em recurso especial, tendo o Google Brasil Internet LTDA como agravante, sendo que a recorrente pedia a desvinculação na rede de busca na internet do seu nome com suas fotos nuas (LUCENA, 2019, p. 131-132).
É sempre importante questionar: qual a importância da divulgação de tal notícia? É importante que a sociedade tenha conhecimento? Essa notícia é de interesse público ou curiosidade pública? Essas e outras perguntas ajudarão a examinar o caso concreto, uma vez que, não há o porquê infringir direitos fundamentais de alguém pelo simples prazer de saciar a curiosidade pública.
Diante disso, surge o empasse de qual direito deve prevalecer, o individual ou o direito da coletividade de ter acesso à informação, todavia, a eternização de divulgação de fatos pretéritos traz a chamada pena perpétua, sonegando um direito em prol da dignidade da pessoa humana, visto que, esse é um direito de todos sem qualquer tipo de distinção, e a eternização de fatos que causa sofrimento, pode gerar danos irreparáveis.
O direito ao esquecimento traz benefícios para todos os indivíduos, mas no âmbito penal ele pode ser aplicado de forma ainda mais pontual no caso de ex-condenados que estão em processo de ressocialização. Entender melhor como esse direito pode ser exercido nesses casos irá facilitar o entendimento a respeito desse assunto.
3.1 Direito ao esquecimento no âmbito penal
A ressocialização de um ex-detento a sociedade não é algo simples e fácil de ser feito, pois, além da vontade do próprio indivíduo, é necessário auxílio do Estado e da sociedade em aceitar esse indivíduo de volta ao meio social, tendo em vista que, ao tentar se inserir de volta na sociedade, o ex-detento encontra diversas barreiras, como a falta de emprego e o preconceito.
A sociedade se reprime em dar uma nova chance a um indivíduo que já errou, por medo de mais uma vez ser vítima de algum crime; diante da rejeição e do desemprego, abre brechas para a reincidência da prática de delitos conforme o pensamento de Lins e Silva:
Os egressos do cárcere estão sujeitos a uma outra terrível condenação: - o desemprego. Legalmente, dentro dos padrões convencionais, não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou sob o pretexto hipócrita de reinseri-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os. Deixa, aí sim, de haver alternativa, o ex-condenado só tem uma solução: incorporar-se ao crime organizado (LINS E SILVA, 1991, p. 40).
Segundo o Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ- Conselho Nacional de Justiça (2019) o índice de reincidência na prática de crimes por adultos é de 42,5%, demonstrando uma falha grave no ato de ressocialização do indivíduo, a pesquisa não divulga se esse fator é ocasionado por falha do Estado, do indivíduo ou da própria sociedade em receber essas pessoas, o Enunciado n. 531 da VI Jornada de Direito (2013) discorre do assunto como se transcreve:
ENUNCIADO 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.
Assim sendo, o direito ao esquecimento que tem raiz constitucional, quando aplicado não deve fazer distinção de pessoas para a aplicabilidade, por isso, as discussões se estendem também no âmbito penal, se tratando de pessoas que tenham cometido crimes no passado, mesmo que isso não faça parte mais da sua realidade atual.
O direito penal brasileiro prevê três tipos de pena: Privativa de liberdade, restritivas de direito e a pena pecuniária, e nenhuma delas são de caráter perpétuo, conforme assegura a CF/88 5º, inciso XLVII, alínea b (BRASIL, 1988), sendo essa uma das teses utilizadas pelos doutrinadores que defendem a manutenção e validade da aplicação do direito ao esquecimento para pessoas que praticaram crime.
Ao relembrar algum crime muitas pessoas têm a vida privada invadida e o direito de deixar o passado no passado impedido, além disso, essa situação alcança não somente os agentes delituosos como também pessoas acusadas e absolvidas, e até as próprias vítimas que muitas vezes não querem trazer à tona fatos pretéritos. O artigo 21 da Lei de imprensa, § 2º, (BRASIL, 1967) expressa que: Constitui crime de difamação a publicação ou transmissão, salvo se motivada por interesse público, de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele.
Vale citar o caso conhecido como “Chacina de Candelária” ocorrido no Rio de Janeiro no dia 23 de julho de 1993, em que policiais por volta de uma hora da manhã, mataram a tiros 8 crianças e adolescentes em situação de rua. Em 2016 o programa Linha Direta relembrou esse fato com riqueza de detalhes, expondo a imagem de um serralheiro que teria sido acusado pela prática do crime, entretanto, absolvido no processo penal. Sendo assim, o acusado, que não queria mais seu nome ligado ao fato, entrou com uma ação de indenização contra a emissora, e o STJ- Superior Tribunal de Justiça condenou a emissora a pagar uma indenização no valor de cinquenta mil reais ao serralheiro como reparação à sua dignidade (STJ, 2013, on-line)
O ministro Luiz Felipe Salomão que foi relator do caso citado acima comentou o próprio voto com as palavras a seguir:
Permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no passado, uma vez que, além do crime em si, o inquérito policial consubstanciou uma reconhecida vergonha nacional à parte. (STJ, 2013, on-line)
Ao falar sobre o direito ao esquecimento logo poderá vir a mente perder a lembrança total de algo. No entanto, no caso da lei do direito ao esquecimento o significado da nomenclatura tem outro sentido. Diante disso, o erro de interpretação neste caso pode gerar brechas para a desqualificação da lei. Compreender como isso acontece é importante a fim de conhecer uma das causas de descredibilização do direito ao esquecimento em alguns casos.
3.2 Nomenclatura “direito ao esquecimento”
Além da importância de um instituto jurídico ser dotado de conteúdo relevante e bem fundamentado, também há uma grande relevância na escolha certa para a nomenclatura que este instituto utilizará para ser popularizado em meio à sociedade, uma vez que somente o nome de algo já remete a vários pensamentos antecipados antes mesmo de saber o real conteúdo.
Consoante a isso, por mais que o nome de um determinado instituto jurídico não seja de maior relevância para a análise de algo, será o nome que se proliferará no meio social, então, é necessário que a nomenclatura seja uma referência base ao que se quer passar diante do senso comum, tendo em vista que a escolha de uma nomenclatura equivocada pode dificultar o diálogo entre os interlocutores.
No caso estudado neste artigo a expressão “direito ao esquecimento” é imposta como uma metáfora, tendo em vista que o Estado e nenhum indivíduo tem a capacidade de apagar algo da memória de alguém. A respeito disso, o jurista Artur Maria diz a respeito do tema que:
O termo “esquecimento”, no caso, mostra-se equívoco por, ao menos, dois motivos: (a) ele não deixa claro exatamente qual a pretensão jurídica tutelada e (b) ele não denota com precisão a específica dimensão das relações humanas que serão reguladas por esse novo instituto jurídico.”(NETTO, 2018, p.14)
Ao estudar o assunto entende-se que o direito ao esquecimento não está propriamente ligado ao fato de apagar da memória, mas, sim ao direito de não trazer ao presente fatos do passado através dos meios de comunicação, por mais que estes fatos ainda possam estar na memória das pessoas.
O jurista Carlos Affonso se utiliza justamente do termo “direito ao esquecimento” para desqualificá-lo, conforme ele traz a definição:
[...] Esquecimento é efeito, o que existe é apagamento, remoção ou desindexação. Nenhuma decisão, judicial ou administrativa, gera o efeito do esquecimento. Existe um problema conceitual grave com o chamado direito ao esquecimento. Ele não é um direito nem gera o pretendido efeito de esquecimento. (SOUZA, 2017)
Desta forma, verifica-se uma contradição entre a nomenclatura e o direito realmente pretendido, que traz brechas para sua própria descredibilidade, uma vez que, o esquecimento propriamente dito não será alcançado, e mesmo que o conteúdo pretendido seja possível, há margem para questionamentos ao nome dado ao instrumento.
Aída Curi era uma jovem de 18 anos que foi brutalmente assassinada por três pessoas em 1958. Aída foi levada ao terraço de um prédio de Copacabana por seus assassinos que tentaram ter relações sexuais com ela, que resistiu ao estupro e foi estrangulada até desmaiar. Após o seu desmaio, os autores do crime acharam que ela tinha morrido, com isso, eles decidiram jogá-la do terraço do prédio que tinha 12 andares, o que causou realmente o seu falecimento.
Em resumo, no final do longo julgamento deste caso, somente um dos assassinos cumpriu a pena da condenação, de apenas 8 anos, tendo em vista que um dos assassinos fugiu e o outro era menor de idade no momento do crime.
No ano de 2014, mesmo após mais de 40 anos da data do fato, o caso foi noticiado pelo programa televisivo Linha Direta, da TV Globo Ltda, relembrando todo o ocorrido com detalhes, transmitindo o nome e as imagens de Aída Curi, mesmo a família de Aída tendo notificado a emissora para não noticiar novamente o crime.
Diante disto, os irmãos de Aída judicializaram uma ação em face da TV Globo Ltda (Globo Comunicações e Participações S/A), pleiteando indenização por danos morais, tendo em vista que, os fatos já haviam sido esquecidos pelos telespectadores e não existia mais interesse social na notícia, além disso, de forma desnecessária, reabriu uma “ferida” na família de Aída, causando grande dor e sofrimento ao relembrar o fato. Foi pleiteado também danos materiais, devido ao lucro obtido com a exploração econômica, noticiando o caso indevidamente, segundo os irmãos de Aída.
A ação foi julgada improcedente pelo juízo de Direito da 47ª Vara Cível da Comarca da Capital/RJ (fls. 854-869) e a sentença foi mantida em grau recursal (RECURSO ESPECIAL Nº 1.335.153 - RJ (2011/0057428-0)).
INDENIZATÓRIA. PROGRAMA "LINHA DIRETA JUSTIÇA". AUSÊNCIA DE DANO. Ação indenizatória objetivando a compensação pecuniária e a reparação material em razão do uso, não autorizado, da imagem da falecida irmã dos Autores, em programa denominado "Linha Direita Justiça".
1 – Preliminar – o juiz não está obrigado a apreciar todas as questões desejadas pelas partes, se por uma delas, mais abrangente e adotada, as demais ficam prejudicadas. 2 – A Constituição Federal garante a livre expressão da atividade de comunicação, independente de censura ou licença, franqueando a obrigação de indenizar apensa quando o uso da imagem ou informações é utilizada para denegrir ou atingir a honra da pessoa retratada, ou ainda, quando essa imagem/nome foi utilizada para fins comerciais. Os fatos expostos no programa eram do conhecimento público e, no passado, foram amplamente divulgados pela imprensa. A matéria foi, é discutida e noticiada ao longo dos últimos cinquenta anos, inclusive, nos meios acadêmicos. A Ré cumpriu com sua função social de informar, alertar e abrir o debate sobre o controvertido caso. Os meios de comunicação também têm este dever, que se sobrepõe ao interesse individual de alguns, que querem e desejam esquecer o passado. O esquecimento não é o caminho salvador para tudo. Muitas vezes é necessário reviver o passado para que as novas gerações fiquem alertas e repensem alguns procedimentos de conduta do presente. Também ninguém nega que a Ré seja uma pessoa jurídica cujo fim é o lucro. Ela precisa sobreviver porque gera riquezas, produz empregos e tudo mais que é notório no mundo capitalista. O que se pergunta é se o uso do nome, da imagem da falecida, ou a reprodução midiática dos acontecimentos, trouxe, um aumento de seu lucro e isto me parece que não houve, ou se houve, não há dados nos autos. Recurso desprovido, por maioria, nos termos do voto do Desembargador Relator (fls. 974-975).
Após a rejeição de dois embargos de declaração e de recursos especiais e extraordinários, com a sustentação de estar aplicando o controle difuso de inconstitucionalidade, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio do RE 1.010.606, tendo como Tema nº 786 - “Aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera civil quando for invocado pela própria vítima ou pelos seus familiares”
O advogado dos irmãos Curi, Roberto Algranti, em sua sustentação oral diante do STF, ressalta que os irmãos Curi não contribuíram em nenhum momento para a tragédia, e nem para a perda da sua privacidade na época do fato, ressalta ainda a doença chamada “síndrome do stress pós traumático” que causa a perca da vontade de se relacionar, aumenta o índice de pensamentos suicidas, entre outras consequência, e que a reexibição desses fatos resulta na perpetuação de uma dor, sendo assim, ao trazer esses fatos quase 50 anos depois sem o interesse público, fora da memória nacional, isso é um ato ilícito, e então, onde deve-se encontrar o limite a liberdade de imprensa.
Avante Roberto Algranti, defende que o direito ao esquecimento talvez seja o único instrumento capaz de retornar a vida da família de Aída Curi a “vida normal”, de volta ao anonimato.
Em contrapartida o advogado Gustavo Binenbojm, atuante na defesa da recorrida Globo Comunicações e Participações S/A, defende a inconstitucionalidade do chamado direito ao esquecimento, uma vez que o caso Aída Curi, se tornou um símbolo da luta a violência contra a mulher.
Uma vez que o programa “Linha Direta” tratou o caso de forma respeitosa e a autorização de Aída ou de seus familiares não era algo obrigatório, segundo a ADI 4815 que afasta a obrigatoriedade de autorização, e levando em consideração que o direito à informação não está submetido a nenhum prazo de decadência ou prescrição, então, o mero desejo de não ser lembrado não configura um direito fundamental.
Diante desses e outros argumentos expostos durante as defesas das partes, o STF julga o caso de repercussão geral, que servirá como base para os demais casos da mesma matéria, assunto esse que será mais bem explicado a seguir.
4.1 ENTENDIMENTO DO STF QUANTO O DIREITO AO ESQUECIMENTO
Após várias discursões a respeito do direito ao esquecimento, entendimentos diversos a respeito do tema e divergências doutrinárias, enfim, o entendimento foi pacificado pelo Supremo Tribunal Federal,
Tendo como relator o ministro Dias Toffoli que decide pelo não reconhecimento do direito ao esquecimento, tendo em vista que, isso seria uma restrição excessiva a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, defendendo o direito do cidadão de se manter informado.
Nunes Marques por sua vez acompanhou o voto do ministro relator Dias Toffoli, entendendo que ainda não há o chamado direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro, todavia, há a necessidade de encontrar uma linha tênue entre o jornalismo e legítimo que é de extrema importância social e o abuso jornalístico, e o direito ao esquecimento não é esse equilíbrio, contudo o ministro entende que houve uma falta de responsabilidade por parte da emissora, levando em consideração o anonimato da vítima, não sendo uma pessoa pública, e não tendo novos elementos para acrescentar ao caso e novamente expor os fatos, neste sentido, a família deve ser indenizada pelos danos causados pelo “mau jornalismo” como diz o próprio ministro.
Já para o ministro Alexandre de Moraes, o esquecimento não é a solução para tudo, às vezes há a necessidade de relembrar fatos, por mais que sejam dolorosos, para alertar a sociedade, e, no caso concreto a ré só cumpriu com a sua função social de informar e alertar, abrindo espaço para discutir o caso, e, o lucro obtido pela ré no caso em questão é necessário para continuar a propagar informações, gerar emprego, se manter, entre outras questões do mundo capitalista, deste modo, nega provimento ao recurso.
Com um pensamento semelhante ao do Ministro Nunes Marques, o ministro Edson Fachin também entende que o direito ao esquecimento existe, todavia os elementos para configurá-lo não estavam presentes no caso concreto, o interesse histórico e jornalístico deve ser preservado e que a reconstrução dos fatos por meio de recursos cênicos não comportam excessos, vota pela parcial procedência da ação, de forma que se reconheça o direito ao esquecimento, todavia não no caso concreto.
Rosa Weber, considera que, além de inconstitucional, a exacerbação do direito ao esquecimento contribui de forma direta ou indireta em longo prazo para manter a sociedade culturalmente pobre e moralmente imatura, e a nação economicamente subdesenvolvida, sendo esse direito uma justificativa oportunista para a censura e que manter os fatos na lembrança da sociedade é um modo de honrar as vítimas, no caso concreto honrar a memória de Aída Curi.
Seguindo a mesma linha de pensamento, a ministra Carmen Lúcia entende pelo não reconhecimento do instituto, uma vez que o princípio constitucional que deve prevalecer é o direito à verdade histórica e o princípio da solidariedade entre gerações, em suas palavras:
Quem vai saber da escravidão, da violência contra a mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência de agressão, tortura, feminicídio? Casos que ponham abaixo ou pelo menos confrontem o discurso infame de que nada disso é verdade, mas choro de perdedor.( RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.010.606, p.211)
Assim, a ministra defende que os fatos podem ser noticiados pela impressa desde que devidamente contextualizados, desta forma, nega o recurso tal quanto o pedido dee reparação de danos aos recorrentes.
O Ricardo Lewandoski, relembra que no caso concreto o próprio requerente já publicou um livro relatando a história de Aída Curi, deste modo, perdeu o direito a “privacidade”, pois, quem se expõe publicamente, não pode reclamar que de alguma maneira a sua imagem está sendo violada. Todavia, pela complexidade deste direito, só pode ser julgado caso a caso para que haja uma real eficiência, podendo ser verificado eventuais abusos no caso concreto, porém, no caso Aída Curi, não houve qualquer violação a honra ou a imagem da falecida ou dos demais membros da família, e com essas considerações nega provimento ao recurso.
Para o ministro Gilmar Mendes, a nomenclatura “direito ao esquecimento” está equivocada, todavia ele não considera a discursão a respeito da nomenclatura de maior relevância tendo em vista a importância do caso, para o ministro o foco central seria a colisão entre direitos individuais, e esse direito deve controlar a divulgação de fatos pretéritos de forma indiscriminada e/ou vexatória na atualidade, devendo-se examinar o interesse social público e histórico na divulgação dos fatos, não havendo esse tipo de interesse deve-se resguardar os direitos individuais.
Após levantar esses questionamentos o ministro Gilmar Mendes, votou pelo provimento parcial do recurso extraordinário, para o reconhecimento do direito à indenização quando os fatos são expostos de forma humilhante e vexatória mesmo que tenha interesse público, histórico ou social na notícia.
Também citando o interesse histórico o ministro Marco Aurélio afirmou que “não cabe simplesmente passar a borracha e partir-se para verdadeiro obscurantismo, partir-se para retrocesso em termos de ares democráticos.” Diante disso, vota improcedente ao pedido em respeito também as decisões proferidas anteriormente pelo Juízo e pelo Órgão revisor, pois essas não merecem censura, uma vez que, não houve ato ilícito.
Após ler e reler os votos anteriores, segundo o próprio Luiz Fux, ele entendeu que o caso Aída Curi se tornou de grande relevância histórica e principalmente acadêmica, ressalta que o direito ao esquecimento está enraizado no núcleo essencial a dignidade da pessoa humana, e é inegável que a doutrina consagra esse direito, todavia, por estar diante de confronto de valores constitucionais um deles tem que prevalecer no caso concreto, ademais, o direito ao esquecimento pode trazer uma irrelevância a caso de extrema relevância, desta forma, nega provimento ao recurso.
Sendo assim, levando em conta as considerações e entendimento dos ministro, foi elaborada a seguinte tese de repercussão geral (Tema 786):
É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível. (Recurso Extraordinário 1.010.606-RJ, 2021)
Diante de todas as exposições trazidas pelo R.E 1.101.606, entendeu-se por maioria em negar provimento ao recurso em questão, vencido o voto do ministro Edson Fachin e, em parte, os dos ministros Nunes Marques e Marco Aurelio, por maioria sendo fixada a tese proposta pelo relator Ministro Dias Toffoli acima exposta que, em tese, espelha a perspectiva da maioria a respeito do tema.
4.2 CONTROVÉRSIAS NA DECISÃO DO STF
A decisão do STF como tema de repercussão geral quanto ao direito ao esquecimento, tem o intuito de julgar de forma que abranja os demais conflitos do mesmo tema que venham a surgir a partir de então, essa decisão era muito aguardada para que extinguisse as entendimentos divergentes quando ao tema, para que assim todos os tribunais andem na mesma direção.
Como já dito, após três dias de julgamento, com profundas discussões sobre o caso Aída Curi, o STF decidiu pela não aplicabilidade do direito, tendo em vista que, a ideia do direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal Brasileira, todavia, no decorrer da tese, abre brechas para a aplicabilidade devendo ser estudado o caso a caso.
Entretanto, houve sonegação ao não informar em quais casos podem ser aplicados esse direito, uma vez que deixa essa abertura para usufruir do direito ao esquecimento quando houver excessos, todavia, quem irá medir se houve excessos ou não? Uma vez que o parâmetro de excesso não foi estabelecido nesta decisão.
Outro ponto controvertido nesta tese em questão, é o fato de ter sido considerada inconstitucional, porém, pode ser aplicada em alguns casos. Não seria uma anomalia jurídica existir a possibilidade de aplicação de um instituto inconstitucional uma vez que a constituição será ferida ao aplicar um direito que não é compatível com a Carta Magna?
Consoante a isto o advogado Caio Lanna Cavalcante ressalta:
a forma como foi colocado o direito ao esquecimento de ser incompatível com a constituição é um tanto perigoso, pois existe casos em que o direito à privacidade deve prevalecer e existe casos que o direito à informação tem que prevalecer, cabendo analisar caso a caso. (DIREITO, 2021)
A população, por sua vez, fica de mãos atadas ao ter sua privacidade e/ou honra violada com a divulgação de informações verídicas sem que haja interesse histórico ou social, pois, até que haja uma especificação de em quais casos pode haver ou não a aplicação do direito ao esquecimento, a população ficará com um certo bloqueio no acesso ao judiciário por não saber se há a aplicabilidade no seu caso concreto.
Diante das controvérsias apontadas, o instituto fica sujeito à propagação de insegurança jurídica, conforme muito bem conceitua o advogado Marcelo Trindade:
Segurança jurídica é a certeza quanto ao resultado que uma norma, legal ou contratual, vai produzir no futuro, quando for aplicada às situações para as quais foi desenhada. A segurança jurídica é importante porque protege as expectativas legítimas que as pessoas precisam formar para poderem planejar suas ações. Quanto menor for a incerteza, mais eficiente será a atuação dos agentes econômicos e maior será a confiança da sociedade nas instituições. Os vilões da segurança jurídica são os agentes públicos a quem cabe aplicar as norma. (TRINDADE, 2021)
Portanto, a decisão do STF trouxe um norte para os próximos julgamentos, entretanto, é inegável que esse instituto ainda há muito que ser lapidado diante das divergências até então apontadas, todavia já foi um grande passo para a pacificação das ideias aqui no Brasil.
A mídia e a Internet estão mudando a cada dia que passa, e as violações existentes naquilo que é informado são bem conhecidas. Além disso, todas as pessoas atualmente têm acesso às informações em tempo real. Tudo que é publicado na Internet não é perdido, ao contrário, é registrado na rede e, portanto, acessível a qualquer momento, mesmo dias ou anos após sua divulgação. No processo de crescimento e desenvolvimento da sociedade, percebeu-se a necessidade de um direito que impedisse a violação à dignidade humana e vida privada, dessa forma, protegendo, não só no direito penal, mas também no direito constitucional e civil, principalmente os direitos fundamentais estabelecidos para todos os indivíduos.
O direito ao esquecimento surge como um instrumento de proteção para o indivíduo que deseja que seu passado seja deixado no passado, e que o seu nome não esteja vinculado a acontecimentos pretéritos que são desagradáveis, constrangedores ou que lhe causem dor emocional.
Um interesse no passado apenas por curiosidade e entretenimento, além de repercussões desagradáveis, viola os direitos fundamentais e podem causar sofrimento ao indivíduo em questão. Portanto, em todo o momento que é relembrada uma matéria com fatos trágicos ou constrangedores ocorre violação aos direitos da privacidade, da honra, da imagem e da intimidade, o que fere a dignidade humana.
A partir do momento em que a liberdade de expressão começa a infringir direitos íntimos do indivíduo, colocando em pauta novamente acontecimentos pretéritos, cabe então o uso do direito ao esquecimento, por ser considerado um direito fundamental, garantido pela Constituição. A liberdade de informação e expressão é garantia constitucional e de extrema importância para o país, no entanto, mesmo um direito de personalidade tão importante para uma pessoa quando em conflito com outros direitos fundamentais sofrem limitações, portanto, a liberdade de informação e expressão também deve ser submetida a algumas regras e limites.
A violação da imagem no mundo contemporâneo, especialmente as exposições nas redes sociais, tornou-se frequente na internet. Além dos casos em que certas notícias voltam a ser publicadas depois de anos arquivados. Nesses casos, o direito ao esquecimento é o caminho mais viável para que o indivíduo pleiteie seu direito de ficar reservado e evitar repercussões que venham trazer problemas sérios a sua vida pessoal e privada. É importante salientar que o foco é certificar-se que a liberdade de expressão não se sobreponha à vida individual e a privacidade do indivíduo, deixando que ele exerça seu direito de escolha de expor ou não a sua vida particular.
No entanto, segundo o entendimento do STF, o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal. Entretanto, admitiu-se a verificação casuística para a aplicação do direito, porém, não foi especificado que tipo de caso estará apto para avaliação da aplicação do direito ou não. Esse entendimento gera uma insegurança jurídica visto que, de certa forma, apresenta uma contradição que leva a certos questionamentos: como ocorrerá a aplicação de um direito considerado institucional, mesmo que seja em apenas casos específicos? Em que tipo de caso poderá ser aplicado o direito ao esquecimento quando não foi especificada nenhuma regra a esse respeito?
Diante desses fatos, chega-se à conclusão que não será fácil decidir se resta em nossa ordem jurídica algum espaço para um direito ao esquecimento de acordo com a sua construção original: um direito a evitar a recordação opressiva de fatos do passado e dar ao indivíduo possibilidade de utilizar de acordo com sua vontade as ocorrências relacionadas ao seu nome.
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VI JORNADA DE DIREITO CIVIL, Enunciados Aprovados. Enunciado 531: “A tutela da
dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.
Coordenador Geral Ruy Rosado de Aguiar Júnior – Coordenador da Parte Geral Código Civil
Rogério Menezes Fialho Moreira. 11 e 12 de março de 2013. Centro de Estudos Judiciários
do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF).
[1] Possui graduação em Direito pela Faculdade UNIRG-TO; Especialização "lato-sensu" em Direito Processual Civil e Penal (2006) e em Direito Público (2007), pela Faculdade FESURV-GO; Mestrado em Direito pela Universidade de Marília-SP (2010), Doutorado em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Atua como advogada no Estado do Tocantins e como Professora no curso de Direito da Católica do Tocantins. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil.
Acadêmica do curso de Direito da Universidade Católica do Tocantins (UBEC) de Palmas, Tocantins, Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, kálita Oliveira. Direito ao esquecimento e a decisão de repercussão geral do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /59902/direito-ao-esquecimento-e-a-deciso-de-repercusso-geral-do-stf. Acesso em: 28 dez 2024.
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